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CAMPO & CIDADE

Eleições ou sorteio - Desafio à vista

Instigante o livro: Contra Eleições de David Van Reubrouck - intelectual belga (editora Ayiné, 2017) -, apanhado histórico sobre o processo democrático, e sobre a base que o sustenta, as eleições. Não há dúvida: em face da Era da informática a aldeia global de McLhuan balança. Os ventos da mudança imprimem novos ritmos e rumos à sociedade. Mudam não apenas as forças produtivas, mas, em especial, as relações sociais. Todos agindo em tempo real, menos a governança da polis. Este cenário não raras vezes gera muito calor e pouca luz. E (pasmem!) mais mudanças à vista: a tecnologia avança em ritmo exponencial, ingrediente evolucionário de impacto imprevisível. Ondas de mudança impactam; projetam novas ondas. Em outros termos: tempestade perfeita.

A repercussão deste novo proceder obviamente resulta em novos desafios, especialmente para governantes e governados. E neste contexto o exercício da democracia ganha contornos por vezes dramáticos. E, as eleições, nem sempre conseguem comtemplar essa nova tendência. Aponta Reubrouck: “As eleições tem confirmado o auge de populismos baseados no medo e na desconfiança generalizadas das elites. As eleições tornaram-se concursos de popularidade em vez de serem um debate racional de propostas”. J.M. Coetzee emenda: “A eleição de nossos governantes com o voto popular não logrou em um autêntico governo democrático: esse parece ser o verecdito da história que se desenrola diante de nossos olhos...Talvez tenha chegado o tempo para essa ideia”. Reubrouck reforça a abordagem: “O objetivo inicial das eleições foi excluir as pessoas do poder selecionando uma elite para governá-las. Na verdade, durante a maior parte dos três mil anos de história da democracia, as eleições não existiam, e os cargos eram repartidos usando uma combinação de sorteios e voluntários que se ofereciam”. Eis à primeira vista um paradoxo.

Rousseau na obra O Contrato Social (1762) já pressentira tal fato: “Os ingleses pensam ser livres. Eles se enganam. Eles são livres somente durante as eleições parlamentares; tão logo terminam as eleições, eles voltam a ser escravos, um nada completo”. E conclui: “Há algo estranho com a democracia: todos parecem deseja-la, mas ninguém acredita mais nela”.

Embora esse questionamento, pesquisas da World Values Survey em 57 países num universo de 57 mil pessoas, 91,6% mostraram-se favoráveis ao processo democrático. Por outro lado, pesquisa do mesmo instituto aponta que as pessoas preferem líderes fortes. Contundentes. Há, contudo, uma crise de confiança. A prática política não fecha com os discursos de campanha. E os partidos nunca estiveram tão relegados. Alguns tradicionais, centenários, simplesmente desapareceram na Europa. Caso do partido socialista francês e da democracia cristã na Itália, entre outros. Mesmo a chamada Primavera Árabe, no que pese o ímpeto inicial, arrefece. E governos, e até a imprensa tradicional vem perdendo terreno. A percepção de manipulação da informação por grupos de interesses sem esclarecer a origem e a natureza dos fatos, enfraquece os meios de comunicação, tornando-se suspeitos.

Quanto ao universo dos sistemas políticos: democracia, aristocracia, oligarquia, ditadura, despotismo, totalitarismo, absolutismo e anarquismo, Reubrouck assevera que somente encontram o ponto de equilibro, se considerados do ponto de vista da eficiência e da legitimidade. Por eficiência subtende-se: qual o tempo necessário para o governo, uma vez eleito, encontrar soluções plausíveis? E, por legitimidade se essas soluções atendem a expectativa da sociedade. Os sistemas são inversamente proporcionais, segundo Reubrouck. O ditador, embora mais objetivo, não consegue agradar a todos. De outro lado, a morosidade do sistema democrático, onde todos opinam, torna-se morosa quando à sua efetividade.

Daí Reubrouck apontar à democracia como a pior forma de governo, ao tentar conciliar eficiência e legitimidade. Ou por outra: agradar gregos e troianos. Compara o sistema com o equilibro de um navio onde a carga há que ser devidamente distribuída sob pena de soçobrar. Mesmo assim, em caso de tempestade, tudo pode mudar abruptamente.

Em relação à legitimidade, aponta três sintomas típicos nos dias atuais: menos pessoas votando, e aqueles vão às urnas ignoram os paridos políticos. E, por fim a redução drástica de filiações partidárias.

Quanto à eficiência, na Europa leva-se anos para aprovar novas leis. Não é o caso brasileiro, onde proliferam às ramadas. De outro lado, uma vez no governo, os partidos viram vitrine. Neste cenário nada animador, políticos e até o judiciário recorrem à mídia para manter-se em evidência. E, com frequência, expressões chulas como indignado, chocado, surpreso negativamente e outras similares, afloram.

Reubrouck atribui tal descalabro a vários fatores, entre os quais: 1) os políticos; 2) o populismo; 3) a democracia; 4) a tecnocracia; 5) e a democracia representativa.

Buscando uma saída, resgata o modelo grego: participação direta através de sorteio. Na Grécia no período clássico, século V a.C. e IV a.C., as vagas nos órgãos governamentais eram preenchidas por sorteio. E a participação dos cidadãos era direta, sem representação, portanto. As decisões mais importantes eram tomadas pela massa. A Eclésia, assembleia popular reunia milhares de pessoas. A hileia, tribunal popular era composta por 6 mil membros, incluindo a magistratura (arkhai). E o conselho dos quinhentos (Bulé). De positivo: havia intensa rotação dos membros, podendo a função ser exercida no máximo duas vezes. A rotação permitia ampla participação popular. Renovação. Reoxigenação, portanto.

O próprio Aristóteles o enaltecia afirmando: “Um exemplo de sistema democrático é o sorteio. O político profissional, fato rotineiro nos dias de hoje, para os gregos seria algo bastante estranho.

Esse sistema por sorteio segundo Reubrouck nos ensina seis lições: 1) preponderou na antiguidade: 2) foi aplicado em áreas geográficas pequenas; 3) em geral coincidia com o apogeu econômico; 4) visava reduzir conflitos e ampliar a participação; 5) os estados que adotavam o modelo eram estáveis. San Marino até metade do século XX adotou este modelo.

Montesquieu fundador do estado de direito moderno destaca na obra “O Espírito da Leis” as palavras por Aristóteles a dois mil anos atrás: “O sufrágio por sorteio pertence à natureza da democracia; por escolha, à aristocracia”.

No entanto, como o sorteio pode conduzir alguém despreparado ao poder, para equilibrar o sistema Reubrouck propõe um sistema misto: eleições e sorteio simultaneamente. Nas eleições aproveita-se para encaixar consultas populares (referendum) sobre temas de interesse geral. Alega: “Somente com a combinação dos dois sistemas pode-se evitar excessos: simples sorteio propícia incompetência: apenas eleições, impotência”.

Portanto, eis o desafio: novos tempos, novas atitudes. Não se questiona a participação popular, mas sim a melhor forma de praticá-la para legitimar o processo democrático.

Recomendamos a leitura da obra, sem dúvida uma visão inovadora e, sobretudo futurística.


Onévio Zabot

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